arte na periferia: Movimentos de Resistência e Arte na Periferia

28 de agosto de 2006

Movimentos de Resistência e Arte na Periferia

Vá e diz por aí
Tudo o que quiser
De mim.
Mas, só não diz
Que não amei
Que não sofri
Que não chorei
Que não sorri
Que não gozei
Que não senti
Que não me dei
E, que não vivi.
Vá, e diz por aí
Tudo o que quiser
De mim.
Mas, só não diz
Que não busquei
Que não achei
Que não perdi
Que não sonhei
Que não acreditei
Que não insisti
Que não realizei
E, que não morri.

Maurício Marques em "Barco de Ilusões"
O objetivo aqui é refletir sobre a questão urbana em São Paulo e a relação entre centro e periferia, através de dois saraus que acontecem na zona sul paulista: Sarau do Binho, que acontece no Campo Limpo, e Sarau da Cooperifa, no Jardim Guarujá.
A Periferia de São Paulo ainda sofre da falta de integração com o centro, e, vendo-se restrita à seus próprios limites, reinventa seu espaço. Além de sofrer da falta de acesso à recursos básicos como saúde, moradia, água encanada, canalização de córregos e falta de transporte público adequado, sofre da falta de acesso à equipamentos culturais para sua produção e consumo. Exemplo da falta de integração com o centro é o fato de que a única linha de metrô que sai da zona sul, a linha lilás, não tem real integração com o metrô. É preciso cruzar a cidade até a Barra Funda para se locomover ao centro.
Sofre da falta de planejamento urbano e do esquecimento de autoridades públicas: o Hospital do Campo Limpo é o único hospital público na região, e atende mais de 1,5 milhões de pessoas, moradoras dos distritos do Campo Limpo, Jardim São Luis, Jardim Ângela, Capão Redondo e Vila Andrade.
Sofre ainda da falta de espaço para integração social. Todos os terrenos ociosos são objeto de especulação de grandes empresas e empreendimentos financeiros para construção de grandes redes de supermercados, shopping's e comércios, faltando assim, escolas, faculdades, parques, praças, cinemas e teatros. Na região fronteiriça entre Campo Limpo, Capão Redondo e Jardim São Luis, parte do Shopping Campo Limpo foi inaugurado, e um supermercado que está em processo de construção aglomerou nesta semana, uma fila de 15 mil pessoas em frente à porta em busca de emprego. Esses grandes empreendimentos e a chegada dessa chamada "infra-estrutura" agrega altos valores aos imóveis da região. E é triste a insistência de alguns, em discutir a falta de infra-estrutura das periferias, pautada pontualmente em canalização e pavimentação.

Essa falta de espaços para integração social reflete-se na falta de espaços públicos das periferias e na falta de entendimento da cidade enquanto pólis, espaço público, de reflexão, tomada de decisões e ações.

05/07/2006, Fala de Sérgio Vaz ao término do Sarau da Cooperifa:

"Aqui ninguém é artista, não queremos formar artistas.
Todo mundo aqui tem que trabalhar amanhã cedo.
Porque estamos aqui e não em um teatro?
Isto é um ato político, esta é a nossa Ágora."


Os Saraus promovidos na periferia constituem-se como forma de resistência a esses problemas, mas vão além disso. A periferia inventou formas de reler o seu cotidiano, a sua condição, o seu espaço, de reinterpretar a cidade, o espaço urbano e de se integrar. A falta de acesso à equipamentos culturais, tanto para sua produção, quanto para seu consumo, começa a mudar. Há alguns anos atrás, era improvável que um jovem da periferia tivesse acesso à recursos para a produção de um filme ou CD. Através de projetos culturais promovidos pelo Estado e pela ação de indivíduos e grupos, que organizam projeções de filmes na periferia, saraus, mostras de música e teatro, isso começa a mudar. Prova disso é o fato de que no dia 03/06/06, no Sarau do Binho, e dia 05/06/06, no Sarau da Cooperifa, dois jovens do Jardim Monte Azul, situado no Jardim São Luis, estavam filmando os saraus para a produção de um documentário sobre arte na periferia, financiado pelo VAI, um projeto da prefeitura para valorização de iniciativas culturais.
05/06/06, conversa com Jairo, integrante do Periafricania:
"Sei que todos que estão aqui carregam um pouco de artistas dentro de si. Se você escreveu um livro, se ele escreveu uma música, se o outro pintou um quadro, isso é ótimo. Se cada um de nós trocarmos um pouquinho, ganharemos muito com isso. Eu vejo a sua arte e ela serve para que eu possa sugá-la e melhorá-la. A questão é sempre estar produzindo e saber que nossa arte nunca está boa, pois sempre podemos aprimorá-la, fazer melhor. Veja só, aqui ninguém mais compra uma Barbie, compramos uma boneca na loja de R$ 1,99. As pessoas daqui estão aprendendo a consumir a pirataria, e assim podem ter acesso à CDs, estão aprendendo a consumir as coisas de dentro da periferia, um do outro. Isto está se transformando em um Quilombo, nós estamos fechados em nós mesmos. Porque a Globo, a Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo e demais mídias vêm aqui? Porque elas estão perdendo espaço. Nós que estamos aqui, vamos marcar uma geração, estamos fazendo História. Aqui pregamos o respeito o amor ao outro".

"Antigamente, para consumir cultura, tínhamos que nos deslocar até o centro. Hoje, pessoas do centro estão vindo até aqui para ver o nosso sarau". Sérgio Vaz

A música dos Racionais' Mcs e letra de Mano Brown, "Da ponte pra cá", sintetiza o conceito de fronteira presente no imaginário das pessoas da periferia: "O mundo é diferente da ponte pra cá", em referência à Ponte João Dias, zona sul de São Paulo.

Daniela Almeida Embón
06 de julho de 2006

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