arte na periferia: Cinema na Periferia

5 de outubro de 2008

Cinema na Periferia

Cinema da Periferia é digno dos grandes festivais PDF Imprimir E-mail
Termina neste domingo 06 de abril mais uma edição do Festival É tudo verdade, a mais importante mostra de documentários da América Latina.

Criado em 1996 pelo crítico Amir Labaki, o evento chega em 2008 com a impressionante marca de 138 obras na programação, exibidas em 8 salas de São Paulo, além do Rio de Janeiro, Recife, Brasília, Bauru e Caxias do Sul. Paralelamente, cineastas da periferia da Zona Norte de São Paulo realizam o Festival É tudo mentira. A iniciativa não é uma afronta ao grande festival. Os realizadores periféricos querem apenas brincar com o nome e também porque a mostra na Quebrada tem seu início do Dia Primeiro de Abril.

A programação do evento paralelo traz obras como os curtas Lobsomem e o Coronel , além do lançamento de Kantuta, documentário de Renato Candido sobre a vida dos bolivianos no Centro de São Paulo. O curta O menino, a favela e as tampas de panelas e o longa Entre nessa dança – hip hop no pedaço, completam o modesto, porém consistente catálogo cinematográfico do beco. E tem uma vantagem. Nos locais de exibição, sempre rolam apresentações artísticas. Entre as atrações os grupos de rap Cagebê, 4Vidas e D’Elite. Confira os detalhes na Agenda Cultural da Periferia www.acaoeducativa.org.br/agendadaperiferia .

Chequei a programação do É tudo verdade para ver o que de Periferia rola no evento, além do fato de o CCJ- Centro Cultural da Juventude da Cachoeirinha ser uma das salas de exibição da Mostra. Decepcionei-me. De produção de cineasta periférico, nada. Sobre a periferia, tem dois do Brasil e um de Moçambique. Do Brasil há o documentário Moro na Tiradentes de Henri Arraes Geneverseau e Claudia Mesquita. A obra que trata da história do Conjunto Habitacional da COHAB do Bairro Cidade Tiradentes da Zona Leste da Capital Paulista, é uma produção vinculada ao Centro de Estudos da Metrópole do Cebrap. O outro representante brasileiro é o filme de Luciana Burlamaqui Entre a Luz e a Sombra. A fita aborda a formação da dupla de rap Dexter e Afro X durante aulas de teatro no extinto Carandiru. A produção moçambicana chama-se Hóspedes da Noite e parece muito interessante. O filme de Licínio Azevedo conta a história de um hotel de luxo na cidade de Beira que, após anos de abandono, foi ocupado por sem tetos e hoje, embora em ruínas, abriga 3500 pessoas.

Parece-me que o Festival É tudo verdade já teve um olhar mais atencioso à produção de cinema da Periferia ou a filmes que têm o subúrbio como tema. Aí vai uma crítica tanto aos organizadores como aos cineastas das quebradas que poderiam buscar se inscrever no evento, embora isso não seja garantia de inclusão no catálogo. Mas penso que teria lugar. Impressionei-me com tantos filmes biográficos. De Jimmy Carter a João Saldanha, passando por Waldik Soriano ( filme da atriz Patrícia Pilar), Wilson Simonal, Paulo Gracindo e o dramaturgo Vaclav Ravel, ex- presidente da antiga Tchecoslováquia. Até a cultuada banda de rock pop dos anos 80 Joy Division garantiu lugar na programação com um documentário a seu respeito.

Chamou minha atenção também a inclusão do filme Lavra-dor, de Paulo Rufino. A obra é de 1968 e aborda o sindicalismo rural no estado de São Paulo pós-1964. A escolha se deve ao experimentalismo do trabalho, um segmento que o Festival tem valorizado muito. Certamente trata-se de obra muito importantante, mas parece coisa de aficcionado. Imagino que pouca gente tenha se interessado. Mais curioso ainda é a exibição do clássico Linha de Montagem de Renato Tapajós, documentário do início da década de 80 sobre as greves do ABC de 1978 a 1981. O filme é maravilhoso. Assisti umas cinco vezes em cursos de formação política durante minha juventude. Mas não seria o caso de abrir espaço para uma produção mais recente, valorizando os talentosos cineastas da periferia?

Resolvi então dar uma de curador de uma mostra de mentirinha. Dei uma olhada em alguns documentários produzidos pela galera dos becos e favelas em 2007 e 2008. Selecionei três títulos que me parecem representativos da criatividade artística e da sensibilidade social dos autores. São eles: É tudo nosso! O hip hop fazendo história, de Toni C; Panorama – arte na periferia, um filme de Peu Pereira e David Vidal e Freestyle: um estilo de vida, vídeo documentário de Pedro Gomes.

Além do fato de serem obras sobre a periferia, feitas por jovens cineastas suburbanos, os três filmes foram financiados por programas governamentais de fomento. O primeiro foi patrocinado pelo Governo Federal por meio do Programa Cultura Viva que financia os Pontos de Cultura. A obra é uma produção do Ponto de Cultura Hip Hop a Lápis. O segundo teve o apoio da Prefeitura de São Paulo por meio do VAI – Valorização de Iniciativa Culturais. E o terceiro teve financiamento do PAC – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo que tem uma linha dirigida exclusivamente ao hip hop. São três pequenas revoluções financiadas por políticas públicas. Olha que círculo virtuoso. Ficaria completo se essas obras estivessem num grande festival como é o É tudo verdade que por sinal é patrocinado pela Petrobrás e Banco do Brasil, além de empresas privadas que o apóiam por meio de Lei de Incentivo, ou seja, renúncia fiscal. Traduzindo em bom português: dinheiro público.

Mas falemos dos filmes e fiquemos na torcida para que apareçam em outras telonas dignas de sua exibição. O vídeo de Toni C exige fôlego para assistir.” Atenção Nação Hip Hop para o toque dos quatro elementos”, anuncia o locutor na abertura de um dos capítulos. São três horas de duração! Mas o documentário está dividido em 5 partes que depois se desdobram, fracionando de uma forma bacana a extensa obra . Dá para assistir em três etapas pelo menos. Chega a ser inacreditável a quantidade de material que este rapaz recolheu e colocou no DVD. Tem uma parte que dá um panorama do hip hop no Brasil, estado por estado. Você clica no Amazonas, e estão lá os manos da floresta falando do rap com carimbó. Em Minas Gerais tem o pessoal da Rádio Favela e assim vai.



No capítulo 5º Elemento de É tudo nosso! tem excelentes falas de poetas e rappers. O Mano Brown aparece várias vezes, sempre muito pertinente. Tem até um capítulo Internacional que aborda o hip hop na África, EUA, Paraguai, Cuba, Venezuela e Argentina. Como diz o texto de É Tudo Nosso,” o hip hop é a primeira contra-cultura globalizada da humanidade”. O filme traz ainda preciosidades como um depoimento do Nazi, ex vocalista do Ira! revelando a desinformados como eu que foi ele o produtor do primeiro disco de rap do Brasil, a Coletânea Rap Cultura de Rua. Vale a pena assistir o DVD. E dá para ver tudo de uma vez. Cansei de assistir filme cabeça que durava mais de três horas em épocas passadas . Garanto que ver a É tudo Nosso!, foi mais prazeroso do que muitos filmes daqueles tempos em que era cinéfilo.

Panorama – arte na periferia é uma pequena obra-prima. O filme tem uma fluência muito agradável, revelando um talento de edição raro para iniciantes. Os depoimentos muito bem editados se intercalam harmonicamente com apresentações musicais, filmes, dança, teatro, saraus e outras manifestações culturais que agitam a periferia da Zona Sul de São Paulo. São inúmeros artistas e grupos que exibem sua arte e falam da importância da cultura para suas vidas e para a comunidade. É especialmente interessante a fala de Estevão. Ele é um profissional de limpeza que dá duro todos os dias no trabalho, mas que, ao voltar pra casa, sente-se ele próprio parte de sua obra artística. Sua residência é uma instalação. Juntando todo tipo de material compôs uma casa que lembra muito as catedrais catalãs de Gaudi. Algo indescritível que tem que ser visitado. O filme dá uma boa mostra, mas é preciso conferir. Outro ponto forte do DVD são os depoimentos sobre o sentido da arte e a condição de artista dos que fazem a cultura de periferia. Dá um tratado de sociologia.

O documentário Freestyle: um estilo de vida de Pedro Gomes é digno de dos mais importantes prêmios do cinema documental brasileiro. Labaki, presta atenção nesse filme! Como é uma produção de 2008, dá para entrar na próxima edição do É tudo verdade. O Pedro é um jovem de apenas 23 anos mas teve a maturidade de realizar um filme de gente grande. O Freestyle é a batalha de MCs. Trata-se de uma disputa muito semelhante ao repente. Dois rapper se enfrentam tendo cada um seqüências de 30 segundos pra improvisar seus versos. Quem decide qual o melhor é o público que julga a qualidade da letra, a pegada do MC e seu carisma. O jogo tem regras que impedem ofensas à dignidade do oponente. A batalha é também conhecida como Rinha e tem ganho muito prestígio a ponto de ter um evento nacional realizado no Rio de Janeiro e que é registrado no filme. Os depoimentos são de uma eloqüência e humor que só quem é mestre do improviso da fala consegue ter. É imperdível. Com essa obra Pedro Gomes já deixou um legado às futuras gerações. Ele que é tão jovem, pode dormir o sono dos justos. Não bastasse seu livro de sugestivo nome Rabiscos sobre certezas em constantes metamorfose, agora ele nos presenteia com seu belíssimo filme.



Para encontrar esses e outros bons filmes de produção independente periférica, procure o Centro de Mídia Juvenil da ONG Ação Educativa. Mas espero que nas próximas edições dos festivais Verdade e Mentira essas obras saltem do catálogo para as telas pra deliciar um público ávido de novidade, criatividade e dignidade artística. É tudo nosso!

Serviço
Agenda Cultural da Periferia

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