arte na periferia: O Aniversário de uma favela em São Paulo (Ferréz)

18 de setembro de 2010

O Aniversário de uma favela em São Paulo (Ferréz)

Muitos podem se perguntar por que comemorar o aniversário de uma favela? Primeiro porque ela comemora 38 anos, segundo porque a 10 anos ela tem uma festa tradicional que junta muito hip-hop, protesto anti militarista (a festa sempre acontece em 7 de setembro ou no sábado sub seqüente).
Comemorar um aniversário, de um lugar que é importante para quem lá vive. Festejar pintando os muros com grafites coloridos, com crianças brincando numa linda praça, talvez uma demonstração de que todos ali sonham com um espaço urbano organizado, e respeitoso.
A festa destina toda renda ao projeto que dá aula para mais de 100 crianças da própria comunidade, apesar disso foi muito difícil realizá-la, ouve um verdadeiro boicote e de todos os lados foram pedidos documentos que não se conseguiria nem para um lugar fechado, assim como ouve autoridades contra o evento, também ouve muita gente a favor, Eleison da Ação educativa, Ananda representando o Calil, Protógenes e principalmente o Senandor Suplicy que ajudou muito e segurou a responsabilidade de ir a sub prefeitura, de conseguir autorização na CET, e de todos documentos que pediram, ele entendeu que era importante para uma comunidade que não tem outra chance de diversão e de conscientização a não ser se ela mesma a fizer.
As barracas são montadas pelos vendedores de lanches, bebidas, e até produtos caseiros como pães e bolos, todos apreensivos e esperando que a festa seja um sucesso para que consigam boas vendas.
As crianças tomam a rua chamada de Avenida Sabin, talvez o médico que deu nome a rua e criou a vacina, também tenha indiretamente criado a vacina da esperança para uma gente tão sofrida, que não deixa de acordar as 4 ou 5 da manhã para ir trabalhar, que cuida da casa dos patrões, mas deixa a sua como esta, que cuida da educação dos filhos dos patrões, mas não consegue acompanhar seus filhos, que faz a alimentação das crianças classe média, e não sabe se seus filhos comeram.
O palco é montado, os brinquedos das crianças são retirados, o pula-pula, a máquina de algodão, o escorregador e vários outros alugados pelo projeto chamado Periferia Ativa, que já existe a 10 anos dentro da favela Godoy paralela a Avenida Sabin.
Os mesmos meninos que alugam os brinquedos organizam a festa, e também tem um grupo de rap chamado Negredo (respeito ao negro), com letras que alertam para o erro de consumir álcool, para o erro de entrar na vida criminal, e ao consumo as drogas.
A festa que esse ano completa 10 anos prova que a periferia pode se organizar, pode não, ela deve se organizar e poder falar por si própria.
O palco está pronto, foi montado por uma empresa do próprio bairro chamada Lonas Base, os donos são moradores negros e militantes que fazem um grande trabalho de fechar as vielas e os acessos para que a festa tenha um controle.
Alexandre, chamado de Dj Ale, é o presidente da Ong Periferia Ativa, ele que corre para lá e para cá para que entre a primeira atração, e assim os grupos locais de Hip-Hop entram em ação, meninos dançando Break, outros cantando, outros recitando, o projeto se faz presente com eles no palco, demonstrando o que aprenderam dentro da biblioteca que já conta com mais de 1.000 livros.
Algumas horas depois começa a entardecer, então a atração surpresa entra para cantar, João Suplicy e Supla tocam as musicas do Brothers of Brazil e mostram a diversidade musical que tem, misturando clássicos da música brasileira com grandes sucessos mundiais e composições próprias, de quebra o Senador Suplicy canta Bob Dylan acompanhado pelos filhos.
Agora é a vez dos escritores entrarem no palco, a literatura ganha vez com os autores do Selo Povo, editora criada no Capão Redondo e que publica livros a 6 reais.
Para a festa na favela, além do escritor Marcos Teles e do poeta Germano Gonçalves, também está presente vinda diretamente de Rondônia, Catia Cernov, autora militante que tem a natureza como matéria prima de seus textos, ela apresenta o livro Amazônia em chamas.
Assim, misturando protesto, luta pelo meio ambiente, amor pela leitura e pelos livros que os representantes da literatura marginal se retiram do palco para dar lugar a mais grupos de rap, como Alvos da Lei, R.D.G, Jairo Periafricania e DMN.
A meia noite o grupo Tr3f entra no palco, eu faço um discurso contundente sobre o consumo, sobre a mão de obra escrava e sobre produtos que compramos, mas não somam em nada com nossa vida, logo depois Maurício DTS entra no palco e fala da dificuldade de se criar um filho especial, todo o show é acompanhado por cadeirantes que apóiam a iniciativa.
10.000 pessoas estão lotando a rua, em todos muros á faixas contra o uso de drogas e de agradecimento a policia, a sub prefeitura, aos amigos que ajudaram e tudo acontece maravilhosamente bem, não tem sequer uma discussão, sequer uma briga, talvez por isso a festa não seja notícia nos jornais do outro dia.
A rainha do samba Leci Brandão chega, enquanto isso o Senador Eduardo Suplicy é ovacionado por todos os presentes, uma demonstração de que a vida política se feita de forma correta também demonstra seus valores.
Leci faz seu show, todos acompanham entusiasmados, acabaram de ver o show do Negredo, e agora esperam Mano Brown, Ice Blue e convidados.
O dia começa a amanhecer, os policiais recebem lanches dos moradores, Mano Brown e convidados entram no palco, muitos abraços, a favela está emocionada, uma hora e meia depois o público ainda canta as músicas, a missão está cumprida, começa a limpeza, desmontar o palco e voltar para a vida normal, pelos menos até o próximo ano....

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