arte na periferia: HOMEM PLACA

6 de março de 2008

HOMEM PLACA

Ouro! Ouro! Ouro! Compro e vendo ouro. Sete de Abril quase em frente à Praça da República. Duzentos e cinqüenta reais por mês! Das dez às cinco da tarde sentado num banquinho! Os coleguinhas quase tão fodidos quanto eu. "Falamos de amenidades", ouvi em algum lugar. Corinthians, São Paulo, Santos... e a porra do Papa no Brasil! Êita vida besta! Ipioca, Catuaba gelada e uma balinha de hortelã! Eu? Eu visto uma placa!
Ouro! Ouro! Ouro! Compro e vendo. Barão de Itapetininga, quase em frente ao Municipal. Camelôs vendem chicletes, balas e chocolates, brinquedos eletrônicos, utilidades domésticas e música pra surdo. Alto pra caralho! Mocinhos da periferia de cabelo empastado com gel... um cheiro fooorte! Juram que é perfume, mas acontece que o cheiro de naftalina conflita! A melhor roupa do armário passada dentro do busão lotado. Podia ser pra missa de domingo... quem sabe, assim, Deus num ajudava a arrumar emprego? E a porra do Papa no Brasil! Cagando regra, como sempre! Bagunçou a cidade toda! E anda dentro de um cofre-móvel à prova de balas, o cusão! Eu visto uma placa e ando pela cidade toda! À vontade! Uma cervejinha e uma bala de hortelã, que tá calor pra caramba!
Ouro! Ouro! Ouro! Teatro Municipal bem em frente à 24 de Maio. "Falamos de amenidades", que é pra não esquentar a cuca! O casamento da atriz da novela das oito. Dizem que é a maior putona. Artista é foda! Tudo viado e puta! Pelo menos, é o que dizem... sei lá! Caímos na alma do Ceará, corintiano doente, que diz que é da Gaviões da Fiel. Gaviões uma porra! Usa um bonezinho safado, do Paraguai, comprado na barraca do Pernambuco lá da Conselheiro Crispiniano. Onze e meia da manhã e o sol judia! Vou passar sete horas de um dia de verão aqui, vestido de placa e sentado num banquinho! Duzentos e cinqüenta reais por mês! Uma coxinha, uma velho barreiro e uma balinha de hortelã. Ouro! Ouro! Ouro! Compro e vendo Ouro! Compro como? Vendo o quê? Só se for a bunda... a bunda que eu vendo! Ouro! Ouro! Ouro! - "Ouro o caralho!", grita um mendigo, sentado na escadaria do Teatro Municipal. O menino da muleta vende a lista de agências de emprego do centro da cidade e aproveita pra xavecar as mocinhas das filas das agências. É o mapa da mina pra essa moçadinha da periferia. Parece uma fila de formigas! Cheios de esperança de preencher uma ficha e arrumar um trabalho. O cabelo empastado de gel! A melhor roupa do armário não orna e o cheiro de naftalina conflita! Complica quando a moça de terninho amassado quebra o salto; o carinha assado dentro do terno preto barato pára pra ajudar... Assistente de Supervisor de Telemarketing da Directnations Business Call Center! - "Nós vamos estar analisando e estaremos te passando uma posição, senhora!". Quatrocentos reais por mês! Trabalham sexta, sábado, domingo, segunda, terça e quarta-feira. Folgam na quinta! A semana toda fritando dentro de um terno barato! O cinto caramelo combina com o sapato, mas a gravata num orna e o cheiro de naftalina complica! Eu visto uma placa, mas folgo no final de semana.
Ouro! Ouro! Ouro! Compro e vendo ouro. Vale do Anhangabaú. A barraquinha de churrasco grego lotada! Um real. O gregório e mais o suco. Dizem que teve um engenheiro que virou suco e enriqueceu... tá bom! Enriquecer vendendo suco? Capaz... o diabo é que enriqueceu! Aqui, o lance do gregório e do suco é do China, que nunca fala com ninguém, o viado! Só com a mulher e com os conterrâneo dele. Devem ser tudo japonês aqueles porra! Ou chinês, ou coreano, ou sei lá... japonês é tudo igual! E só fala com a língua enrolada! Ninguém entende bosta nenhuma do que eles falam. E dão risada! Devem ficar metendo o pau nos brasileiros, os filhos da puta. Dizem que têm o maior nojo da gente! Porco pra caralho o China. De manhãzinha, aquela carne lá do churrasco dele é só o sebo! Parece aquele sebinho da cabeça do pau, sabe? Eu é que não como lá, nem morto! Nojêra! Vou dar Ibope pra essa gente que nem de brasileiro gosta? Vai tomar no cu pra lá! Ô Alemão, me dá uma cervejinha e uma balinha de hortelã aí, que esse solzão tá me matando,vai?
Ouro! Ouro! Ouro! Compro e vendo. Rua Direita com a São Bento. Bolsa de Valores do Estado de São Paulo. Terno da Colombo e ar condicionado. Cabelo empastado de gel e a roupa passada no metrô lotado. Maleta preta e aquela cara de James Bond! Pura pagação de sapo... a marmita vai no lugar do notebook. "É bom economizar pra poder pagar as contas,né?". Mil e setecentos reais e um telefone colado com Super Bonder na orelha. Dizem que esses caras morrem tudo estressado. Do coração ou com a úlcera estourada. "Happy hour" no bar do Alemão. O cara da Bolsa conversa com os colegas sobre a matéria de capa da revista Exame desse mês. O som é Bruno e Marrone, mas a cerveja é gelada, a porção de salame, muito boa; e a conta não machuca! Eu visto uma placa! E almoço o torresminho da feijoada de quarta. Falo de amenidades com os coleguinhas de banquinho que é pra não esquentar a cuca. Aqui, todo mundo tá fodido mesmo! Duzentos e cinqüenta reais por mês, sentado numa porra de um banquinho das dez às cinco da tarde! Bebo uns drinks que é pra espairecer e faço o "Répi Áuer" no bar do Alemão; junto com os cusão da Bolsa de Valores. Gente metida a besta! O Edvaldo, lá da vila, tá querendo me passar um trinta e oito que pegou com o irmão dele. Acho que vou dar uma passadinha lá depois pra ver o revólver... ô Alemão, vê a caidêra aí,vai? Catuaba gelada, uma cervejinha, um rabo-de-galo e um pedaço do frango, aí da vitrine! O Ronivaldo, coitado, bebe umas pingas e come um pedacinho do frango ensopado. Diz assim pro Alemão: "Ô Alemão, dá um pedaço da minha irmã, aí, aquela galinha!". Coitado... coitada é da irmã dele! Uma Ipioca e "vâmussimbora"... ah! Uma balinha de hortelã, que é pra despistar a Dona Encrenca! Senão, durmo com os cachorros hoje... Viiixi, a pinga bateu! Deixa eu ir embora antes que o mundo comece a rodar e eu comece a falar bobagem por aí...
Estação São Bento do metrô, quase em frente ao Mosteiro onde o Papa estava hospedado. Um tiozinho bêbado, que vinha zigue-zagueando rua abaixo, pára; e como se estivesse em um púlpito, começa a gritar:
"- ÔRU!ÔRU!ÔÔooURu!
Qui sssi FÔÔOOODA O ÔÔôuru!
REVÓÓÓLver... EU ATCHíru!
I Qui vá pra MEEeeeRDA TUDO ISSO!"
Dito isso, limpa a baba que escorreu da boca e dá um giro. Se apruma, como se estivesse em posição de "sentido!", desamassa a roupa suja e entra, capengando, na estação.

(HUGUÊRA)

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