Entrevista que demos para a revista Continuum
do ítau cultural...
Por Érica Teruel Guerra
"Eu posso, sou possível." Diante de um bar apinhado de gente, o homem de camiseta verde recita pausadamente os versos que escreveu. Ao término, o som dos aplausos enche o espaço. As palavras de José Neto, autor do poema "Povo", emocionam, por resumirem bem a expectativa dos homens e das mulheres que ali se reúnem. A cena, parte do documentário Panorama - Arte na Periferia, ilustra a mobilização que está transformando a periferia.
No extremo sul da cidade de São Paulo, em um lugar que já foi conhecido como Triângulo da Morte - região de Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luiz -, nasceu um movimento que tem por objetivo preencher o vão existente entre os meios de representação e a periferia. Para a professora de antropologia Rose Satiko, da Universidade de São Paulo, trata-se de uma tentativa de resistência: "Esse movimento é uma resposta, uma tentativa de expressão destes que não se julgam representados". Foi de uma inquietação que surgiu um dos fomentadores desse movimento, o CineBecos, que realiza projeções em becos da região, exibindo desde filmes clássicos até vídeos produzidos ali mesmo, na periferia. O projeto é coordenado por Rogério Pixote, estudante de multimeios, para quem as abordagens da periferia no cinema causavam incômodo. "Elas fizeram com que quiséssemos montar um circuito de exibição, discutir a linguagem do cinema, sua história", conta.
O audiovisual ocupa um papel de destaque nessa mobilização, fomentado muitas vezes por oficinas. Quando elas vão embora, porém, fica a vontade de criar. Assim começou a relação de Peu Pereira e David Vidad com o cinema. Após produzirem curtas em oficinas, eles se juntaram para construir um marco na história das comunidades periféricas, muito distante dos filmes que enfocam a violência da periferia como espetáculo: Panorama - Arte na Periferia (2006-2007), documentário que mergulha na produção artística dessas populações, prestigiando peças teatrais, espetáculos de dança contemporânea, saraus, shows de música. Pereira, que estuda ciências sociais, conta como o filme foi concebido: "A idéia era fazer um levantamento, um documentário a respeito da produção artística e principalmente da motivação do artista". E usar o cinema também teve um objetivo claro. "Ele assume um papel fundamental porque oferece um diálogo muito mais direto com as pessoas, por usar a música, a visão", esclarece Vidad, estudante de filosofia.
Mercado próprio
A qualidade dos trabalhos produzidos pela dupla não significa que não haja dificuldades para realizá-los. Conseguir todos os equipamentos, por exemplo, é muito caro. Mas a dificuldade é positiva no sentido de que abre espaço para uma possível inovação na linguagem do cinema. "Se não temos um trilho, por exemplo, vamos ter de improvisar", opina Pereira, que elogia o programa Valorização das Iniciativas Culturais (VAI), da Prefeitura de São Paulo, que dá apoio financeiro sem burocracia e com total liberdade de criação. Outro momento complicado é o da exibição. Com o acesso às salas de cinema bastante restrito, eles tiveram de buscar uma saída criativa. "Em vez de criar uma dependência do grande mercado, criamos o nosso próprio", conta Vidad. Além de videoteca popular e exibições alternativas, as produções da periferia ganharam espaço no Festival Internacional de Curtas de São Paulo, na seção KinoOikos - Formação do Olhar, que exibe trabalhos realizados em comunidades. A coordenadora do projeto, Moira Toledo, afirma que a sessão foi ampliada desde sua criação, em 2002. "A grande novidade deste ano ficou por conta do lançamento do site KinoOikos, em que disponibilizamos, para visualização e download, boa parte da produção audiovisual exibida desde 2004."
Também retratada pelo documentário Panorama - Arte na Periferia, a companhia de dança Sansacroma surgiu na região de M'Boi Mirim. Dirigido pela coreógrafa Gal Martins, o grupo trabalha com dança e teatro contemporâneos e cultura afro-brasileira em espetáculos como Imagens de um Só-Lano, último trabalho da companhia, que conta a história do poeta pernambucano Solano Trindade. Para Gal, a valorização das origens é essencial para mudar a realidade, marcada pelo preconceito. "A identidade é concebida como possibilidade de compartilhar coletivamente a existência", diz, "e é por meio dela que se constrói a igualdade na diversidade".
A imagem da violência na periferia, cultivada de fora para dentro, tende a ficar em segundo plano: "Não queremos reportar a violência, estamos falando da ebulição artística que está acontecendo e de como esse movimento é transformador", explica Pereira. A crença no poder de modificação social por meio da arte dá ainda mais força a esses produtores culturais, que, comprometidos com suas origens, revelam que a mobilização está apenas começando. Nos blogs dos projetos, é possível ler "Vem aí a Primeira Semana de Arte Moderna da Periferia".
No extremo sul da cidade de São Paulo, em um lugar que já foi conhecido como Triângulo da Morte - região de Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luiz -, nasceu um movimento que tem por objetivo preencher o vão existente entre os meios de representação e a periferia. Para a professora de antropologia Rose Satiko, da Universidade de São Paulo, trata-se de uma tentativa de resistência: "Esse movimento é uma resposta, uma tentativa de expressão destes que não se julgam representados". Foi de uma inquietação que surgiu um dos fomentadores desse movimento, o CineBecos, que realiza projeções em becos da região, exibindo desde filmes clássicos até vídeos produzidos ali mesmo, na periferia. O projeto é coordenado por Rogério Pixote, estudante de multimeios, para quem as abordagens da periferia no cinema causavam incômodo. "Elas fizeram com que quiséssemos montar um circuito de exibição, discutir a linguagem do cinema, sua história", conta.
O audiovisual ocupa um papel de destaque nessa mobilização, fomentado muitas vezes por oficinas. Quando elas vão embora, porém, fica a vontade de criar. Assim começou a relação de Peu Pereira e David Vidad com o cinema. Após produzirem curtas em oficinas, eles se juntaram para construir um marco na história das comunidades periféricas, muito distante dos filmes que enfocam a violência da periferia como espetáculo: Panorama - Arte na Periferia (2006-2007), documentário que mergulha na produção artística dessas populações, prestigiando peças teatrais, espetáculos de dança contemporânea, saraus, shows de música. Pereira, que estuda ciências sociais, conta como o filme foi concebido: "A idéia era fazer um levantamento, um documentário a respeito da produção artística e principalmente da motivação do artista". E usar o cinema também teve um objetivo claro. "Ele assume um papel fundamental porque oferece um diálogo muito mais direto com as pessoas, por usar a música, a visão", esclarece Vidad, estudante de filosofia.
Mercado próprio
A qualidade dos trabalhos produzidos pela dupla não significa que não haja dificuldades para realizá-los. Conseguir todos os equipamentos, por exemplo, é muito caro. Mas a dificuldade é positiva no sentido de que abre espaço para uma possível inovação na linguagem do cinema. "Se não temos um trilho, por exemplo, vamos ter de improvisar", opina Pereira, que elogia o programa Valorização das Iniciativas Culturais (VAI), da Prefeitura de São Paulo, que dá apoio financeiro sem burocracia e com total liberdade de criação. Outro momento complicado é o da exibição. Com o acesso às salas de cinema bastante restrito, eles tiveram de buscar uma saída criativa. "Em vez de criar uma dependência do grande mercado, criamos o nosso próprio", conta Vidad. Além de videoteca popular e exibições alternativas, as produções da periferia ganharam espaço no Festival Internacional de Curtas de São Paulo, na seção KinoOikos - Formação do Olhar, que exibe trabalhos realizados em comunidades. A coordenadora do projeto, Moira Toledo, afirma que a sessão foi ampliada desde sua criação, em 2002. "A grande novidade deste ano ficou por conta do lançamento do site KinoOikos, em que disponibilizamos, para visualização e download, boa parte da produção audiovisual exibida desde 2004."
Também retratada pelo documentário Panorama - Arte na Periferia, a companhia de dança Sansacroma surgiu na região de M'Boi Mirim. Dirigido pela coreógrafa Gal Martins, o grupo trabalha com dança e teatro contemporâneos e cultura afro-brasileira em espetáculos como Imagens de um Só-Lano, último trabalho da companhia, que conta a história do poeta pernambucano Solano Trindade. Para Gal, a valorização das origens é essencial para mudar a realidade, marcada pelo preconceito. "A identidade é concebida como possibilidade de compartilhar coletivamente a existência", diz, "e é por meio dela que se constrói a igualdade na diversidade".
A imagem da violência na periferia, cultivada de fora para dentro, tende a ficar em segundo plano: "Não queremos reportar a violência, estamos falando da ebulição artística que está acontecendo e de como esse movimento é transformador", explica Pereira. A crença no poder de modificação social por meio da arte dá ainda mais força a esses produtores culturais, que, comprometidos com suas origens, revelam que a mobilização está apenas começando. Nos blogs dos projetos, é possível ler "Vem aí a Primeira Semana de Arte Moderna da Periferia".
Blogs
Panorama - Arte na Periferia: www.artenaperiferia.blogspot.com
CineBecos: www.becosevielaszs.blogspot.com
Cia. Sansacroma: www.ciasansacroma.blogspot.com
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